quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Qualquer lugar fora do mundo.

Só para não ficar um tempão sem postar, um poema em prosa que ilustra alguns pontos expostos neste blog. Traduzido por um cara que escancara as coisas.


Qualquer lugar fora do mundo.

Esta vida é um hospital onde cada doente é possuído pelo desejo de mudar de cama. Este gostaria de sofrer na frente da lareira, e aquele crê que melhoraria ao lado da janela.

Parece-me que eu estaria sempre bem lá onde não estou, e esta questão da mudança é uma que eu discuto sem parar com minha alma.

"Diga, minha alma, pobre alma resfriada, o que você acharia de morar em Lisboa? Lá deve ser quente, e você se reanimaria como um lagarto. Essa cidade fica à beira da água, dizem que foi construída em mármore, e que as pessoas lá têm tal ódio do vegetal que arrancam todas as árvores. Eis aí uma paisagem a teu gosto; uma paisagem feita com a luz e o mineral, e o líquido para os refletir!"

Minha alma não responde.

"Já que você ama tanto o repouso, com o espetáculo do movimento, quer ir morar na Holanda, essa terra beatificante? Talvez você se divertirá nesse lugar cujas imagens você admirou freqüentemente nos museus. Que você pensaria de Rotterdam, você que ama as florestas de mastros e as embarcações amarradas ao pé das casas?"

Minha alma continua muda.

"A Batávia talvez te atraia mais? Lá nós encontraremos o espírito da Europa casado com a beleza tropical."

Nenhuma palavra. - Estaria minha alma morta?

"Será que então você chegou a tal ponto de torpor que você não se agrada a não ser no teu mal? Se é assim, fujamos para os países que são as analogias da Morte. - Entendo nosso caso, pobre alma! Nós faremos nossas malas para Tornéo. Vamos mais longe ainda, ao extremo fim do Báltico; ainda mais longe da vida, se é possível; instalemo-nos no pólo. Lá o sol não toca a terra a não ser obliquamente, e as lentas alternâncias da luz e da noite suprimem a variedade e aumentam a monotonia, essa metade do nada. Lá poderemos tomar longos banhos de trevas, ainda que, para nos divertir, as auroras boreais nos enviarão de tempos em tempos seus raios cor-de-rosa, como reflexos de um fogo de artifício do Inferno!"

Enfim, minha alma explode, e sabiamente ela me grita: "Qualquer lugar! Qualquer lugar! desde que seja fora deste mundo!"


Charles Baudelaire, em "Petits poèmes en prose".

Nenhum comentário: